Mulher morta pelo ex sofreu de agressões na gravidez até violência sexual em 14 anos de relação, diz mãe: 'Abusava de todas as formas'
12/09/2025
(Foto: Reprodução) Caso Beatriz: vítima viveu ciclo de violência até ser assassinada, conta mãe
"Ele abusava dela de todas as formas". É a assim que Roseli de Araújo define o relacionamento da filha, Beatriz Aparecida de Araújo Cruz, com o homem que admitiu que a assassinou cerca de três meses após o término da relação de 14 anos.
A moradora de Serra Negra (SP) desapareceu em 19 de abril deste ano, na véspera da Páscoa. O corpo dela foi encontrado há um mês, na noite do dia 11 de agosto após o ex-marido, Thiago Fernando Monteiro, confessar o crime e indicar o local onde a enterrou.
Beatriz tinha 31 anos e deixou um filho de 8. Em entrevista ao g1, Roseli abordou o ciclo de violência física, psicológica e sexual vivenciado pela filha por anos em segredo. Veja no vídeo acima.
A mãe conta que descobriu as agressões em janeiro deste ano, depois de presenciar uma das situações enquanto estava na casa de Beatriz.
"Ela era uma menina de Deus, era uma pessoa que se preocupava mais com os outros do que com ela. Não consigo me conformar com um fim tão triste", disse Roseli, emocionada.
O g1 não conseguiu localizar a defesa do homem até a última atualização desta reportagem.
Início do relacionamento
Thiago Fernando Monteiro, ex-marido de Beatriz, confessou o crime de feminicídio e indicou o local onde a enterrou.
Arquivo pessoal
Segundo a mãe, Thiago foi o primeiro namorado de Beatriz. Eles se conheceram em um curso técnico em Segurança do Trabalho em Itapira (SP), quando a vítima tinha 17 anos e morava com a família em Águas de Lindóia (SP).
Thiago teria entrado depois que as aulas do curso já haviam começado, e pediu ajuda para Beatriz para pegar as matérias atrasadas. Roseli o conheceu um dia em casa, enquanto ele e a filha estudavam juntos.
Um mês antes de completar 18 anos, Beatriz foi pedida em namoro por Thiago. Roseli conta que ele chegou a comprar um bolo para toda a turma no aniversário dela, e os dois se casaram pouco tempo depois.
Com o casamento, a mulher cuidava da casa e das duas filhas de Thiago. Na época, o casal morava em Mogi Mirim (SP), enquanto Roseli ainda vivia em Águas de Lindóia, a cerca de 40 km.
"Eles só vinham para cá juntos, era sempre um mar de rosas. Ele era muito carinhoso, era um excesso de cuidado, ficavam muito tempo grudados", conta Roseli.
Mesmo assim, a mãe percebia uma mudança no comportamento da filha. “Ela se fechou, ficou retraída. A gente achava que era por causa da carga de responsabilidade”, lembra.
Anos depois, em um churrasco da família, Roseli relata que Thiago teria admitido que planejou o encontro. Beatriz teria brincado que foi conquistada pelo ex-marido pelo estômago, por conta do bolo comprado no início do relacionamento, mas ele rebateu dizendo que a mulher teria custado mais que um bolo.
Segundo Roseli, Thiago afirmou que se matriculou no curso para se aproximar de Beatriz, depois de ter visto Beatriz chegar na unidade em que estudava de ônibus. Quando tentou se matricular não havia mais vagas, e ele disse que chegou a mandar uma carta para a sede da instituição em São Paulo (SP) para poder entrar no curso.
"Ele falou: 'quando eu quero alguma coisa eu vou buscar'. Eu acho que no lugar dela eu me sentiria uma idiota", disse Roseli.
Agressões e ameaças
Corpo de Beatriz Aparecida de Araújo Cruz, de 31 anos, foi encontrado em agosto, depois que o ex-marido confessou o crime e indicou onde a vítima foi enterrada.
Reprodução/EPTV
Em janeiro de 2025, Roseli estava na casa da filha quando presenciou uma das agressões. Ela relata que discutiu com Thiago, fez denúncia na polícia e só então Beatriz aceitou sair de casa, emocionalmente abalada.
A família procurou uma advogada, que pediu que Beatriz reunisse relatos do que havia sofrido. “Ela não conseguia escrever o que passou. Pegava a caneta e só chorava”, disse Roseli. Beatriz conseguiu relatar os abusos com ajuda psicológica.
Nos relatos por escrito, Beatriz disse que as agressões físicas começaram quando ela estava grávida de oito meses, mas antes disso ela já sofria agressões verbais.
O ex-marido passou a espancá-la em partes do corpo que não ficavam à mostra, como as partes íntimas, além de abusar sexualmente da mulher. “Ele batia em lugares que não deixavam marcas visíveis. Depois, a agredia sexualmente. Era uma rotina”, contou a mãe.
Beatriz era obrigada a parecer feliz em público, mesmo após espancamentos. "Ela fala que, quando eles brigavam, ele recebia visita à noite. Ele sempre achava alguém para fazer um churrasco, para convidar para jantar, ou para sair junto, e falava que ela tinha que parecer feliz", disse Roseli.
Tentativas de fuga
A mãe, Roseli de Araújo, com a filha, Beatriz Aparecida de Araújo Cruz, que foi vítima de feminicídio em Serra Negra (SP).
Arquivo pessoal
Beatriz tentou fugir três dias depois que Thiago bateu nela pela primeira vez, segundo Roseli. Ela foi de ônibus de Mogi Mirim a Itapira e iria pegar um segundo coletivo até Águas de Lindóia, mas Thiago a alcançou de carro e a levou para casa novamente.
"Naquele dia, começaram as ameaças. Ele falou que, se ela não ficasse quietinha, o filho não ia nascer, e que se ela me procurasse ou procurasse a irmã, ia ter que conviver com a minha morte nas costas", disse Roseli.
Em outra ocasião, depois que o casal se mudou para Serra Negra, Beatriz tentou fugir pela segunda vez, após ter o celular tomado por Thiago e ser trancada com ele dentro da loja onde ele consertava celulares na cidade.
Ela conseguiu escapar após um tumulto na loja e foi para São Paulo, onde passou a noite na rodoviária. Lá, ela pegou um celular emprestado e viu as postagens dos familiares que procuravam por ela. "Por causa do filho, ela acabou voltando", conta a mãe.
Para Roseli, Thiago disse que Beatriz deveria ter sido assaltada, porque estaria carregando dinheiro da venda dos lanches naturais que fazia. Na volta, Roseli conta que Beatriz chorava muito e tinha marcas no braço.
"Ele disse que ela tinha sido assaltada, tomaram o dinheiro dela, bateram nela, não devia ter deixado ela sozinha e tal. Só que ela não desmentia. Ela ficou calada, chorando", disse Roseli.
Thiago justificava o controle dizendo que Beatriz era “distraída” e não podia ficar sozinha. “Ele fazia parecer que ela não tinha capacidade de andar sozinha”, completou a mãe.
Roseli afirma que queria registrar boletim de ocorrência e chegou a marcar consulta em um psiquiatra para a filha depois do episódio, mas Thiago negou a ajuda dizendo que não deveriam registrar o caso porque Beatriz havia passado por muita humilhação, e que ela não quis ir à consulta porque estava com dor de cabeça.
Medida protetiva e desaparecimento
Em Serra Negra, o casal morava em um terreno no bairro Três Barras, na zona rural da cidade. No início do ano, Beatriz saiu da casa e passou a viver na casa da mãe, em um terreno nos fundos de onde morava anteriormente.
Thiago teria dito que aceitava a separação e que se mudaria para Mogi Mirim, mas passou a perseguir a mulher. Cerca de 15 dias antes do desaparecimento, Beatriz conseguiu uma medida protetiva contra o ex-marido.
Beatriz desapareceu no dia 19 de abril, quando estava a caminho do hotel onde trabalhava. A investigação apontou, por meio de imagens de câmeras de segurança, que o carro do suspeito esteve próximo ao local em que a mulher desapareceu, no mesmo horário em que ela foi vista pela última vez.
Thiago foi preso em São José dos Campos em 16 de junho, e responde por feminicídio, sequestro, cárcere privado, descumprimento de medida protetiva e ocultação de cadáver. O caso tramita em segredo de Justiça.
O corpo de Beatriz foi encontrado no bairro Três Barras, no dia 12 de agosto, após Thiago confessar o crime de feminicídio e indicar o local onde a vítima foi enterrada. Segundo Roseli, no depoimento, Thiago disse à polícia que ele e Beatriz discutiram enquanto ele a levava ao trabalho, mas que ela carregava uma faca e, durante a discussão, ela acabou sendo ferida no pescoço.
"Ele abusava dela de todas as formas. Ela sofreu violência emocional, psicológica, patrimonial. O que eu espero é que ele seja o exemplo, para que outros homens pensem duas vezes antes de colocar a mão em uma mulher", afirma Roseli.
Violência contra mulher: como pedir ajuda
VÍDEOS: saiba tudo sobre Campinas e Região